
Magistrada do TJ/SP negou aplicação da nova lei que isenta advogados do pagamento antecipado de custas processuais em ações de cobrança de honorários ao considerar a norma inconstitucional.
Para a juíza de Direito Samira de Castro Lorena, da 4ª Vara Cível do Foro Regional III de Jabaquara/SP, a nova redação do §3º do art. 82 do CPC afronta o princípio da isonomia tributária.
Na ação, o advogado autor requereu a dispensa do pagamento das custas iniciais com base na lei 15.109/25, que alterou o CPC e estabeleceu que em ações de cobrança de honorários advogados são isentos do adiantamento das custas, ficando a responsabilidade pelo pagamento ao réu ou executado, caso tenha dado causa à demanda, ao final do processo.
Juíza ignora lei e determina o recolhimento de custas antecipadas a advogado.(Imagem: Freepik)
Ao analisar o caso, a magistrada afastou a aplicação por entender que a norma viola frontalmente princípios constitucionais.
Segundo a juíza, a isenção exclusiva a advogados configura violação ao princípio da igualdade tributária, consagrado no art. 150, II, da CF.
“Rigorosamente, não há qualquer distinção entre advogados, médicos, arquitetos, engenheiros e demais profissionais que, vítimas de inadimplemento, buscam o Judiciário para haver seus honorários. Nenhuma distinção, fática, jurídica, ontológica ou deontológica, absolutamente nenhuma”, afirmou.
A decisão também ressaltou que a norma federal invade competência legislativa estadual ao dispor sobre isenções relativas à taxa judiciária, cuja regulamentação caberia ao Estado, nos termos da lei estadual 11.608/03.
“Estamos diante de norma que, a pretexto de alterar o CPC, lei ordinária Federal, avança na competência legislativa tributária estadual, e com isso afronta o art. 151, III, da Constituição”, pontuou a magistrada.
Diante disso, foi determinado ao advogado o recolhimento das custas iniciais no prazo de cinco dias, sob pena de cancelamento do incidente.
Norma ignorada
A aplicação da lei tem sido objeto de interpretações divergentes na magistratura paulista.
Outros magistrados já afastaram a aplicação da norma apontando inconstitucionalidades formais e materiais.
Em um dos casos, escritório sustentou que, com a vigência da nova legislação, estaria dispensado do adiantamento das custas judiciais em processos de cobrança e execução de honorários.
Ao analisar o pedido, a juíza de Direito Camila Rodrigues Borges de Azevedo, da 19ª vara Cível de São Paulo, afastou a aplicação da norma.
Ela apontou que “caso se interprete que o dispositivo legal positiva uma isenção tributária, ele não se aplica a custas judiciais instituídas pelos Estados, mas apenas pela União, à luz do art. 151, III, da CF/88”.
Acrescentou que, por se tratar de tributo estadual, qualquer isenção dependeria de iniciativa do próprio Poder Judiciário local, e não do Legislativo.
Também destacou que, mesmo se a norma for entendida como uma hipótese de suspensão da exigibilidade das custas, haveria vício formal.
“A norma está maculada por vício de inconstitucionalidade formal, pois dependeria de previsão em lei complementar, à luz do art. 146, III, da CF/88.”
A magistrada ainda apontou vício de iniciativa, lembrando precedentes do STF que trataram do tema, como as ADIns 3.629 e 6.859. “A lei concessiva de isenção de taxa judiciária é de iniciativa reservada aos órgãos superiores do Poder Judiciário”, afirmou.
Além dos vícios formais, a juíza identificou inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da isonomia tributária. Nesse ponto, citou o julgamento da ADIn 3.260, no qual o STF concluiu que “viola a igualdade tributária […] lei que concede isenção de custas judiciais a membros de determinada categoria profissional pelo simples fato de a integrarem”.
Ao final, determinou que os advogados cumpram, em 15 dias, as exigências processuais anteriormente estabelecidas, sob pena de indeferimento da petição inicial e extinção do feito.
Privilégio fiscal
No mesmo sentido foi a decisão do juiz de Direito Matheus Romero Martins, da 2ª vara Cível de Araras/SP.
No caso, advogado ajuizou cumprimento de sentença contra a prefeitura do município e requereu o prosseguimento da ação sem o recolhimento de custas, com base no §3º do art. 82 do CPC, incluído pela nova lei.
Ao analisar o caso, o magistrado afirmou que o ponto central da controvérsia é a validade constitucional da norma que concedeu o benefício à categoria profissional.
Para o juiz, a norma viola o princípio da isonomia tributária, ao criar um privilégio fiscal injustificado para os advogados, sem estendê-lo a outras categorias profissionais que se encontrem em situação semelhante.
“A norma impugnada concede tratamento tributário privilegiado a uma categoria profissional específica – os advogados – dispensando-os do adiantamento de custas processuais quando atuarem em nome próprio na cobrança ou execução de honorários, enquanto outros profissionais liberais, em situação equivalente, continuam obrigados ao recolhimento antecipado de tais valores.”
Além disso, apontou que a lei usurpa competência tributária dos Estados, ao legislar sobre isenção de custas judiciais – que possuem natureza de taxa estadual -, violando o pacto federativo.
O magistrado também entendeu que a norma infringe o princípio do acesso igualitário à Justiça, ao criar um sistema processual desigual entre os jurisdicionados. “A dispensa de adiantamento de custas apenas para advogados em ações específicas cria um sistema processual de ‘duas classes’, privilegiando uma categoria profissional em detrimento das demais”, afirmou.
Com base nesses fundamentos, declarou, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, “incidentalmente a inconstitucionalidade da lei n 15.109/25, por violação aos arts. 5º, caput, e XXXV; 60, § 4º, I; 145, II; 150, II; e 151, III, todos da CF”.
Diante disso, indeferiu o pedido de gratuidade e determinou o recolhimento das custas iniciais no prazo de 15 dias, sob pena de cancelamento da distribuição, nos termos do art. 290 do CPC.
Por envolver declaração de inconstitucionalidade de lei federal, o magistrado ordenou ainda a remessa dos autos ao órgão especial do TJ/SP para controle concentrado, conforme cláusula de reserva de plenário.
FONTE: Migalhas| FOTO: TokmakovPixabay