Por 7 votos a 4, o STF decidiu manter no cargo uma oficiala da Polícia Militar do Amazonas nomeada com base em decisão judicial posteriormente revogada, afastando a aplicação do Tema 476 da repercussão geral. O voto condutor, do ministro Flávio Dino, defendeu que as circunstâncias do caso justificam a aplicação da teoria do fato consumado, considerando a boa-fé, a estabilidade funcional e os nove anos de exercício no cargo.

A controvérsia girou em torno da possibilidade de aplicar a teoria do fato consumado em situações em que o ingresso no serviço público ocorreu por decisão judicial provisória, depois anulada.

De acordo com o Tema 476, não é compatível com o regime constitucional a manutenção em cargo público, com base em fato consumado, de candidato não aprovado que tomou posse por decisão judicial provisória posteriormente revogada ou modificada.

Entenda o caso

A candidata participou do concurso da PM/AM em 2011, mas foi considerada inapta por exceder o limite etário previsto no edital. Obteve, no entanto, tutela antecipada que lhe permitiu seguir no certame. A decisão foi confirmada por sentença de mérito, o que possibilitou sua nomeação em 2014.

Mais de cinco anos depois, o TJ/AM reformou a sentença, quando a candidata já havia sido empossada e promovida. Iniciou-se então o processo de sua exclusão.

Em resposta, ela impetrou mandado de segurança para evitar o desligamento. O TJ/AM acolheu o pedido com base na teoria do fato consumado, reconhecendo a consolidação da situação funcional e a legítima expectativa de estabilidade. Diante da decisão, o Estado do Amazonas recorreu ao STF.

Inicialmente, o recurso extraordinário foi negado monocraticamente pelo ministro Gilmar Mendes e depois confirmado pela 2ª turma, que entendeu pela aplicação da proporcionalidade, afastando a incidência automática do Tema 476.

O Estado, então, apresentou embargos de divergência, sustentando conflito com entendimentos da 1ª turma e do plenário virtual, que firmaram posição restritiva sobre o tema.

Voto do relator

Para Fux, a nomeação se deu com base em decisão precária, e a revogação posterior impede o reconhecimento do fato consumado. O ministro pontuou que o STF possui jurisprudência consolidada contrária à permanência de candidatos nomeados por decisões provisórias, mesmo após longo tempo de exercício.

Segundo o ministro, o tempo decorrido no cargo não invalida a aplicação do Tema 476, que visa preservar os princípios da igualdade e da legalidade no acesso ao serviço público.

Por fim, enfatizou que decisões sujeitas a recurso não devem produzir efeitos permanentes, e que a revogação da tutela confirma o caráter provisório da nomeação.

O ministro Cristiano Zanin acompanhou integralmente o relator.

Confira o voto do relator.

Divergência de Flávio Dino

Em voto-vista, Dino abriu divergência, defendendo que o caso comporta tratamento excepcional. Para ele, o caso possui particularidades que justificam a aplicação da teoria do fato consumado, mesmo diante da tese do Tema 476.

O ministro destacou que a candidata foi beneficiada por sentença de mérito, não apenas por liminar, e que a posse ocorreu logo após a decisão, com providências administrativas já em curso. Para o ministro, isso gerou uma expectativa legítima de estabilidade jurídica.

Além disso, ressaltou que o próprio Estado contribuiu para essa expectativa ao manter a servidora por mais de nove anos, período em que houve investimentos públicos em sua formação e promoção.

Segundo Dino, é necessário aplicar os princípios da boa-fé, segurança jurídica e proteção da confiança legítima. Assim, votou pela rejeição dos embargos, mantendo a decisão da 2ª turma favorável à candidata.

Confira o voto do minsitro Flávio Dino.

O ministro Alexandre de Moraes apresentou voto vogal acompanhando a divergência. Considerou que o caso concreto afasta a aplicação automática do Tema 476, pois a posse da candidata decorreu de sentença de mérito, e o longo período de exercício gerou expectativa legítima de estabilidade, tanto para a servidora quanto para a Administração.

Com base nos princípios da segurança jurídica, da confiança e da proporcionalidade, votou pela manutenção da candidata no cargo.

Resultado

O julgamento foi encerrado na sexta-feira, 30, com placar de 7 a 4, prevalecendo o entendimento pela manutenção da oficiala no cargo. Acompanharam a divergência aberta pelo ministro Flávio Dino os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques.

Ficaram vencidos o relator, ministro Luiz Fux, e os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, que votaram pelo afastamento da servidora com base na aplicação do Tema 476 da repercussão geral.

Processo: HC 1.334.608

FONTE: Portal Migalhas | FOTO:  Gustavo Moreno