Uma vez que não havia autorização legal para que a União aderisse à convenção de arbitragem na época em que ocorreu a assembleia geral da Petrobras em que isso ficou decidido, o ente público não é obrigado a ser parte no processo arbitral. Além disso, o Estado não responde, via arbitragem, por atos praticados por diretores da companhia.

Com esse entendimento, a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve a anulação da sentença arbitral que condenou a Petrobras a ressarcir os fundos de pensão Petros (de funcionários da Petrobras) e Previ (de funcionários do Banco do Brasil) pela desvalorização das ações devido à finada “lava jato”.

A decisão poupou os cofres públicos de um prejuízo estimado em R$ 166 bilhões — excluídos honorários, juros e correção monetária —, segundo cálculos do Núcleo Especializado em Arbitragem da Advocacia-Geral da União.

A alegação dos acionistas era de que a União deveria aportar dinheiro na Petrobras para compensar a perda de valor sofrida pela companhia durante a “lava jato”. Eles argumentaram que a União estava vinculada à demanda com base no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras, segundo o qual “deverão ser resolvidas por meio da arbitragem as disputas ou controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais”.

Em 2020, um tribunal da Câmara de Arbitragem Brasileira (CAM), da B3, aceitou o pedido dos fundos de pensão, representados pelo escritório Carvalhosa Advogados. Os árbitros entenderam que a estatal prestou informações incompletas e falsas ao mercado. Porém, por irregularidades na produção de provas, a 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro anulou a decisão.

Os acionistas, então, apelaram ao TRF-2, alegando que a sentença judicial foi uma intromissão indevida no processo arbitral.

A AGU, por seu lado, apontou que a União não está sujeita à cláusula arbitral porque, quando ela foi inserida no Estatuto da Petrobras, em 2002, o ente público não estava autorizado a participar de procedimentos arbitrais como uma regra geral — o que aconteceu somente em 2015.

Além disso, a cláusula abrange apenas conflitos de natureza societária, e o tema levado à arbitragem dizia respeito a atos de corrupção praticados por administradores da Petrobras, conforme destacou a AGU. Portanto, não havia relação jurídica que pudesse obrigar a União a participar.

União não responde

O relator do caso no TRF-2, desembargador Ricardo Perlingeiro, entendeu que a União não se submete à cláusula arbitral da Petrobras, pois na época em que ela foi aprovada, o Estado não podia participar de procedimentos do tipo.

O magistrado citou decisões do Superior Tribunal de Justiça (CC 151.130) e do TRF-3 (AC 5024529-11.2020.4.03.6100) que já haviam reconhecido a inaplicabilidade da arbitragem à União em hipóteses semelhantes.

Além disso, Perlingeiro disse que a União não responde, via arbitragem, por atos ilícitos cometidos por diretores da estatal.

“A discussão sobre a submissão do ente federal à arbitragem no caso também encontra limitação na própria matéria discutida a partir da perspectiva da indisponibilidade do direito em debate, eis que a opção pelo uso da arbitragem revela compromisso de gravidade e importância, repercutindo na renúncia à jurisdição estatal em casos em que o Poder Constituinte reservou ao monopólio da União, conforme previsto no artigo 177 da Constituição Federal, escreveu o relator.

“Não se pode perder de vista que o Estado tem como escopo a garantia do interesse público, consubstanciado, em linhas gerais, por meio da tutela dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Por esse motivo, a Administração Pública está submetida aos princípios previstos no artigo 37, caput, da Constituição, principalmente ao princípio da legalidade, pois não pode dispor livremente do interesse público constitucionalmente previsto”, continuou ele.

Limites da arbitragem

A atuação da AGU no caso se deu por meio da Procuradoria Regional da União da 2ª Região, com participação do Núcleo Especializado em Arbitragem. O procurador regional Glaucio de Lima e Castro ressaltou a relevância da decisão, dada a quantia bilionária que estava em jogo.

“A decisão do TRF-2 resguarda não apenas os cofres públicos, mas também reafirma os princípios que regem a atuação da administração pública, especialmente no que se refere aos limites da arbitragem envolvendo o poder público.”

E o impacto da decisão transcende o caso específico. Segundo Lima e Castro, trata-se de um importante precedente jurisprudencial para a administração pública.

“Contribui para resguardar a União em situações futuras, especialmente em demandas de grande vulto, como essa, em que, de forma indevida, há tentativa de submeter o ente público a compromissos arbitrais que extrapolam os limites legais e constitucionais. É uma vitória que preserva a soberania jurisdicional do Estado, protege o patrimônio público e reforça a segurança jurídica nas relações entre o setor público e privado”, destacou o procurador.

Processo: 0230623-98.2017.4.02.5101

FONTE: Conjur | FOTO: Miguel Ângelo