
Nesta terça-feira, 27, por unanimidade, o CNJ instaurou PAD e manteve afastado das funções o juiz de Direito Ivan Lúcio Amarante de Vila Rica/MT.
O magistrado está afastado desde outubro de 2024 por decisão liminar do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, ratificada posteriormente pelo plenário do Conselho, investigado por suspeita de envolvimento em um esquema de venda de sentenças judiciais, supostamente recebendo vantagens indevidas no exercício da magistratura.
A apuração começou a partir da apreensão do celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023, em Cuiabá.
As mensagens encontradas no aparelho indicavam proximidade incomum entre o juiz e o advogado, levantando suspeitas sobre a lisura de decisões judiciais proferidas.
Segundo o relator do caso, os elementos reunidos indicam a necessidade de uma investigação aprofundada, dada a gravidade dos indícios narrados.
O presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, também se manifestou à época sobre a “suspeita razoavelmente fundada” de que o magistrado recebia benefícios ilícitos.
Esquema mais amplo
O caso de Ivan Lúcio não é isolado: ele é o terceiro magistrado afastado no contexto das investigações. Os desembargadores João Ferreira Filho e Sebastião de Moraes Filho também foram afastados do TJ/MT em agosto de 2024 por suposta ligação com o mesmo esquema.
Defesa
O advogado Alexandre Pontieri, em defesa do magistrado, ressaltou que Ivan Lúcio exerce a função há mais de 30 anos e que sua ficha funcional não registra sanções.
Sustentou que o conteúdo extraído do celular não permite inferir qualquer conduta imprópria ou favorecimento indevido. “O magistrado nega veementemente qualquer imputação”, afirmou.
Segundo o defensor, a análise dos nove processos mencionados na apuração mostra que não houve favorecimento a partes representadas pelo advogado falecido.
Em diversos casos, o juiz proferiu decisões contrárias aos interesses da parte supostamente beneficiada, inclusive extinguindo ações ou julgando procedentes pleitos da parte adversa.
A defesa também destacou que a quebra do sigilo de dados do aparelho de Zampieri teria ocorrido sem rigor técnico, apontando possível violação da cadeia de custódia.
O celular foi apreendido após a morte do advogado, e, segundo a defesa de Ivan Lúcio, não há comprovação de que permaneceu lacrado ou que tenha passado por perícia confiável.
Além disso, afirmou que a permanência do magistrado afastado desde outubro de 2024, por força de medida cautelar, seria desproporcional, pois Ivan Lúcio estaria lotado a mais de mil quilômetros de Cuiabá e não teria como interferir na investigação. “Não há risco de obstrução. O juiz já vem suportando o ônus do afastamento cautelar há meses”, alegou.
Por fim, o defensor pediu que, caso o CNJ decida instaurar processo disciplinar, o faça sem manter o juiz afastado, diante da ausência de riscos à apuração.
Reforçou, ainda, o pedido principal: o arquivamento do caso. “O juiz não pode ser responsabilizado pela utilização indevida que o advogado falecido fazia de seu nome”, concluiu.
Voto do relator
O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, apontou que o espelhamento do celular do advogado Roberto Zampieri – assassinado em dezembro de 2023 – revelou uma relação de intimidade e possível subserviência do magistrado ao causídico, além de mensagens que sugerem o recebimento de vantagens ilícitas em troca de decisões judiciais.
Segundo o ministro, Zampieri mantinha forte influência sobre os julgados do juiz e indicava até mesmo as teses jurídicas a serem utilizadas. “É possível inferir com bastante clareza que a razão que presidia o acatamento passivo e subserviente das demandas do causídico […] era, precisamente, o provável pagamento de vantagens indevidas”, afirmou.
A análise de mensagens e movimentações bancárias revelou, conforme afirmou o relator, a existência de depósitos vultosos em contas da atual e da ex-esposa do magistrado, feitos por meio de empresas sem atividade operacional – indício de uso de terceiros para ocultar recursos ilícitos.
Apenas entre setembro de 2023 e julho de 2024, a atual esposa de Amarante, teria transferido R$ 750 mil ao juiz. A ex-esposa, por sua vez, teria feito repasses superiores a R$ 200 mil, também por meio de empresa de fachada.
Campbell destacou ainda a aquisição de imóveis de alto valor e bens de luxo, como joias e armas, sem compatibilidade com os rendimentos do magistrado. Não foi possível rastrear os pagamentos nas contas do juiz, o que indicaria, segundo o relator, provável uso de dinheiro em espécie.
As explicações apresentadas pela defesa, como a justificativa de que os recursos eram oriundos de apoio espiritual ou doações religiosas, não foram consideradas suficientes para afastar os indícios de irregularidade.
O relator também rejeitou a alegação de que as provas estariam contaminadas por vício na cadeia de custódia, destacando que a apreensão foi lícita e que o material foi submetido ao contraditório.
Para Mauro Campbell, há justa causa para instauração de PAD e permanência do afastamento cautelar do magistrado. O ministro destacou que os elementos apontam possível violação de deveres funcionais previstos na Loman e no Código de Ética da Magistratura.
“O contexto dos diálogos, a frequência das interações e os termos utilizados deram corpo a um panorama abrangente de efetiva influência do causídico na atividade judicial do magistrado, muito possivelmente em razão do pagamento de vantagens indevidas”, concluiu.
Com base nesses fundamentos, o relator votou pela instauração do processo disciplinar e manutenção do afastamento cautelar de Ivan Lúcio Amarante.
Processo: Reclamação disciplinar 0006488-58.2024.2.00.0000