
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anulou uma multa de R$ 101.204.017,70 contra empresa processadora de alimentos por causa de suposta conduta ilícita em contratos de exportação. O órgão apurava se a empresa simulou operações para ocultar o real exportador do produto e, dessa forma, burlar o Fisco.
Em sua fundamentação, o conselheiro Laércio Ulianam, relator do caso, constatou que o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) firmado pela empresa — instrumento financeiro que permite aos exportadores brasileiros anteciparem o valor de suas exportações antes mesmo de receberem o pagamento do cliente estrangeiro — não infringe as regras tributárias.
Além disso, os conselheiros chegaram à conclusão de que cabe ao Banco Central fazer o controle sobre os ACCs, e não ao Fisco.
No processo, consta que uma indústria exportou soja da processadora, em nome da segunda, para uma filial da empresa agrícola nas Ilhas Turcas e Caicos, território britânico no Caribe. As operações tinham como objetivo essencial a liquidação dos ACCs feitos entre as companhias, o que constitui, segundo a Receita, aquisição indireta de dólares e ocultação do real exportador.
Dessa forma, a processadora foi autuada sob a acusação de ter desviado a finalidade dos contratos estabelecidos com a indústria. A empresa de alimentos, porém, recorreu, sustentando que todos os documentos fiscais e aduaneiros apontavam sua condição de fornecedora.
Multa afastada
Uliana concordou com a defesa das empresas e deu provimento ao recurso para anular a multa aplicada anteriormente. “Verifica-se que as defesas apresentadas pelas partes encontram
respaldo ao demonstrarem que, em todas as etapas das operações, foram devidamente fornecidos os dados relativos à origem e ao destino dos produtos comercializados, assim como todas as demais informações requeridas para assegurar a transparência e o devido controle das autoridades aduaneiras”, afirmou no acórdão.
Segundo ele, as evidências do processo afastaram o ilícito apontado (ocultação de intencional de clientes) e, consequentemente, o auto de infração. “Mesmo que se possa questionar algum abuso de forma ou apurar possíveis irregularidades em outros contextos, isso não caracteriza o ilícito apontado — ou seja, a ocultação intencional de clientes não se confirma a partir dos elementos
apresentados.”
“A processadora simplesmente revendia para a indústria e ela fazia a exportação para outra empresa do mesmo grupo. O contrato em si não tem problema nenhum porque envolve o Banco Central”, disse o conselheiro à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Segundo Caio César Morato, advogado do escritório Rayes e Fagundes o ponto decisivo para anular a multa está no fato de que a essência das operações jamais foi omitida das autoridades aduaneiras.
“A decisão analisou a natureza do contrato de performance de exportação. O Carf acolheu os argumentos dos contribuintes no sentido de que a indústria estava, na essência, adquirindo um fluxo de exportação ou o direito de figurar como exportadora formal”, diz o advogado.
O advogado Leonardo Branco, sócio do DDTAX Advocacia Tributária, explica que o ACC funciona como uma espécie de financiamento antes do embarque da mercadoria que será exportada. No Brasil, diz, esse instrumento não ele tem incidência de IOF, o que o torna mais vantajoso que empréstimos convencionais.
“Foi essa lógica que prevaleceu no acórdão: a Receita alegava uso do ACC apenas para captar dólares baratos e comprar o fluxo de exportação, simulando o exportador real. O relator foi feliz em constatar que havia exportação efetiva, que todas as partes estavam identificadas e que o controle econômico do ACC é de competência do Bacen, não do Fisco, cancelando, assim, a multa de aproximadamente R$ 101 milhões”, diz Branco.
Processo: 10314.720635/2021-80