
A 31ª vara Cível de Recife/PE julgou procedente ação declaratória proposta por um fundo de investimento reconhecendo como válida a primeira cessão de direitos creditórios feita por escritura pública, anulando uma cessão posterior do mesmo crédito, feita por instrumento particular.
A decisão é do juiz de Direito Gildenor Eudócio de Araújo Pires Júnior, que reconheceu que o cedente já não detinha mais titularidade sobre os créditos na data da segunda negociação, caracterizando uma venda a non domino.
Entenda o caso
A gestora do fundo de investimento alegou ter adquirido créditos oriundos de cumprimento de sentença da Justiça Federal, precatório, por meio de escritura pública lavrada em setembro de 2020. No entanto, posteriormente foi informado de que o cedente havia formalizado nova cessão dos mesmos créditos, em agosto de 2021, com outra empresa, por instrumento particular.
Diante disso, pediu o reconhecimento da validade da primeira cessão e a nulidade da segunda, por ter o cedente vendido direito que já não lhe pertencia.
Venda a non domino
Ao analisar o caso, o juízo reconheceu que a segunda cessão é nula, pois o cedente já não tinha mais titularidade sobre o crédito à época da nova transação. Para o magistrado, trata-se de uma venda a non domino, quando alguém tenta negociar algo que já não lhe pertence, o que torna o negócio inválido desde a origem.
Segundo o magistrado, a cessão feita ao fundo foi formalizada por escritura pública em2020, com registro em cartório, o que lhe confere validade e publicidade. Já a cessão posterior, firmada por instrumento particular em 2021, é inválida, pois o cedente já havia alienado os créditos anteriormente.
A empresa ré sustentou que sua cessão deveria prevalecer por ter sido a primeira a ser comunicada formalmente ao TRF da 5ª região, conforme previsto no § 14 do art. 100 da CF. No entanto, o juiz afastou essa tese, esclarecendo que tal comunicação é necessária apenas para a eficácia da cessão perante o ente público devedor, não para sua validade jurídica.
Com base nos artigos 104 e 166 do CC e nos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, o magistrado foi categórico ao afirmar que não é possível convalidar um negócio jurídico nulo, mesmo que a comunicação ao tribunal tenha ocorrido antes da comunicação da cessão válida.
Nesse sentido, ressaltou:
“Atribuir prevalência à segunda cessão apenas por ter sido comunicada primeiramente ao Tribunal significaria validar um ato juridicamente nulo e desconsiderar a transferência de titularidade legitimamente ocorrida anteriormente por instrumento público. Tal interpretação atentaria contra os princípios basilares da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, além de contrariar o preceito fundamental de que a propriedade (ainda que se trate de um crédito) transfere-se mediante título válido.”
Diante disso, o juiz julgou procedentes os pedidos do fundo de investimento, reconhecendo a validade da cessão realizada por escritura pública em 2020 e anulando a segunda cessão por vício de objeto.
Também determinou que a decisão seja comunicada ao TRF da 5ª região e à 5ª vara Federal de Pernambuco, a fim de que o fundo seja habilitado como único e legítimo titular dos créditos do precatório.
A gestora do fundo de investimento foi representada pelos advogados Ricardo Varejão, Rodrigo Accioly e Matheus Danda, do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.
Processo: 0109650-08.2024.8.17.2001
FONTE: Migalhas | FOTO: Rafael de Matos Carvalho