O Supremo Tribunal Federal, em julgamento concluído em 6 de maio de 2025, declarou a inconstitucionalidade de leis do Município de Ponte Nova, em Minas Gerais, que, sob o pretexto de proteção ambiental, proibiam a instalação de usinas hidrelétricas, fixavam condicionantes específicas para o licenciamento ambiental de empreendimentos energéticos e instituíam unilateralmente unidades de conservação ao longo do curso do Rio Piranga.

Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 218, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, cujo desfecho reafirma a repartição constitucional de competências em matéria ambiental e energética e impõe limites claros à atuação normativa municipal quando esta invade competências da União ou viola o princípio da lealdade federativa.

Ao julgar procedente a arguição, o STF reconheceu que os dispositivos municipais — artigos 1º, II, e 5º, caput e parágrafo único, da Lei nº 3.224/2008, e a íntegra da Lei nº 3.225/2008 — violaram diversos dispositivos da Constituição Federal, como os artigos 21, inciso XII, alínea “b”, que trata da competência da União para explorar diretamente ou mediante concessão os serviços e instalações de energia elétrica; 22, inciso IV, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre energia; 20, incisos III e VIII, e 176, que estabelecem o domínio da União sobre potenciais de energia hidráulica e leitos de rios federais.

Além disso, ao criarem normas mais restritivas do que as previstas pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), as leis municipais incorreram em violação à competência concorrente em matéria ambiental, em desacordo com os artigos 24, incisos VI e VIII, e parágrafos 1º a 4º da Constituição. O Supremo reconheceu, ainda, que houve desvio de finalidade legislativa. Embora apresentadas como normas de proteção ambiental, o verdadeiro objetivo era impedir a instalação de projetos hidrelétricos de competência federal, obstando inclusive a deliberação administrativa sobre licenciamento ambiental. Essa conduta foi entendida como contrária ao princípio da lealdade federativa, que exige cooperação e harmonia entre os entes da Federação.

Outro ponto destacado foi a tentativa do legislador municipal de instituir uma unidade de conservação permanente, na modalidade de monumento natural, ao longo de todo o trecho do Rio Piranga que atravessa o território municipal, sem observar as regras estabelecidas pela Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A criação de unidades de conservação demanda estudos técnicos prévios, consulta pública e processo participativo, requisitos que não foram observados no caso concreto.

A decisão reafirma a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal sobre a competência da União para legislar sobre energia elétrica, como nos precedentes ADPF 979 AgR, ADI 7.076 e ADPF 452. Também reafirma os limites impostos aos entes subnacionais no exercício da competência suplementar em matéria ambiental, conforme se vê nos julgados ADI 5.286, RE 586.224 (Tema 145 da repercussão geral), ADI 4.028, ADI 4.988 e ARE 1.419.438 AgR.

Os efeitos do julgamento são relevantes para toda a Federação, pois os municípios não podem, sob o argumento de proteção ambiental, editar normas que inviabilizem políticas públicas ou serviços cuja titularidade constitucional seja da União. As normas locais devem respeitar os parâmetros estabelecidos pelas leis federais, inclusive em matéria ambiental.

O julgamento da ADPF 218/MG é um marco importante sobre o papel dos municípios no sistema federativo ambiental. Embora detenham competência para proteger o meio ambiente e ordenar o uso do solo urbano, nos termos do artigo 30, incisos I e II da Constituição, essa atuação deve ocorrer em conformidade com as normas gerais federais e sem invadir competências exclusivas dos demais entes. A decisão do STF demonstra que o zelo ambiental, embora legítimo, não pode ser instrumentalizado para frustrar projetos regulares e de interesse nacional. A Constituição impõe um pacto federativo baseado na cooperação, sobretudo em temas sensíveis como energia, recursos hídricos e licenciamento ambiental. A proteção ambiental, portanto, deve ser exercida dentro dos marcos constitucionais.

Referência:

ADPF 218/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual encerrado em 06.05.2025.