
Uma mulher obteve no TJ/SC o direito de ter seu pedido de retificação do registro civil da filha falecida devidamente analisado. A decisão, da 2ª câmara de Direito Civil do tribunal catarinense, anulou a sentença que havia extinguido o processo sem julgamento do mérito, sob o argumento de que seria impossível suprir a exigência legal de consentimento da filha, já falecida.
Ao reformar a decisão, o colegiado aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ e entendeu que a ausência do nome da mãe no registro decorreu de impedimentos legais e sociais vigentes à época do nascimento da filha. Para o tribunal, a mãe não realizou o registro apenas por estar impossibilitada legalmente, em razão de normas patriarcais que vigoravam antes da lei do divórcio de 1977.
Segundo os autos, a mulher relatou que, em 1976, quando a filha nasceu, era formalmente casada com outro homem, o que a impediu de registrá-la em seu nome. A criança, fruto de relação extraconjugal, foi registrada apenas pelo pai biológico.
A ação foi ajuizada após o falecimento da filha, durante a pandemia de covid-19, visando reconhecer oficialmente a maternidade – o que também teria efeitos patrimoniais, como o acesso ao seguro de vida deixado pela jovem.
Em 1ª instância, o pedido foi julgado extinto sem resolução de mérito, com base no art. 1.614 do CC, que exige o consentimento do filho maior para o reconhecimento de filiação. Como a filha já havia falecido, o juízo entendeu ser impossível suprir tal exigência.
Ao analisar o recurso, o relator, desembargador João Marcos Buch, entendeu que a norma deve ser interpretada com sensibilidade e em consonância com o contexto histórico e de gênero. Ele destacou que, à época do nascimento da filha – anterior à promulgação da lei do divórcio, em 1977 – vigorava uma legislação patriarcal que impunha obstáculos legais e sociais às mulheres que buscavam registrar filhos fora do casamento.
“A filha nasceu em momento anterior à Lei do Divórcio […] e, considerando a legislação machista, colonial e patriarcal vigente à época, a mãe não conseguiu registrar a criança em seu nome”, pontuou o relator, com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ.
Também ressaltou que a relação entre mãe e filha sempre existiu no plano afetivo e familiar, o que deve ser reconhecido juridicamente.
Segundo o desembargador, o reconhecimento da maternidade post mortem não se limita a questões patrimoniais, mas também representa um ato de reparação histórica, identidade familiar e direito à ancestralidade.
Com esse entendimento, o TJ/SC deu provimento ao recurso, anulou a sentença e determinou o prosseguimento da ação, com produção de provas e manifestação do MP.
Processo: 5012829-96.2022.8.24.0038
FONTE: Migalhas | FOTO: Marc Bruxelle/Getty Images