
Por unanimidade, a 3ª turma do STJ validou, nesta terça-feira, 13, a adoção póstuma de uma criança, mesmo diante de questionamentos da família a respeito da capacidade civil do adotante falecido.
O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, foi acompanhado pelos pares, inclusive pela ministra Nancy Andrighi, que havia pedido vista da ação.
Adoção à brasileira
A origem do caso remonta a uma ação de destituição do poder familiar da mãe biológica, cumulada com pedido de adoção.
O TJ/MG reconheceu a negligência materna, pois a genitora entregou o recém-nascido diretamente aos pretendentes à adoção. Diante disso, o tribunal entendeu que a adoção poderia ser concretizada mesmo após o falecimento de um dos adotantes.
Constava nos autos declaração expressa do adotante falecido, feita em vida, demonstrando o desejo de adotar em conjunto com sua companheira.
O TJ/MG reconheceu a validade dessa manifestação e deferiu a adoção em favor da companheira sobrevivente, com base nos laços de afeto consolidados e no melhor interesse da criança.
Contudo, a existência da união estável foi questionada, e o tribunal estadual entendeu que a eventual paternidade socioafetiva do falecido deveria ser discutida em ação autônoma.
Recursos dos familiares
Três familiares do adotante falecido interpuseram recursos.
Um deles alegou dúvida fundada quanto à capacidade mental do falecido na época da concessão da guarda provisória e defendeu a necessidade de nomeação de curador especial. Também pediu a reabertura da instrução probatória para esclarecimento da questão.
Outro familiar sustentou que o direito à adoção é personalíssimo e se extingue com a morte, além de criticar a desconsideração de laudos psicológicos que indicariam incapacidade do adotante.
O terceiro questionou a inexistência de reconhecimento judicial da união estável e acusou burla ao Cadastro Nacional de Adoção, pois os pretendentes foram habilitados apenas após já exercerem a guarda de fato do menor – o que, segundo ele, comprometeria os princípios da impessoalidade e do melhor interesse da criança.
Voto do relator
Na sessão do dia 1º/4, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que a ausência de interdição judicial ou de provas robustas de incapacidade garantem a presunção da capacidade civil do adotante.
“A presunção da capacidade civil do adotante prevalece na ausência de interdição ou prova suficiente de incapacidade, não havendo necessidade de nomeação de curador especial.”
Ele também reconheceu a possibilidade de união estável com base em declaração conjunta dos adotantes e provas de estabilidade familiar, sendo possível seu reconhecimento incidental na própria ação de adoção. Quanto à adoção póstuma, invocou o §6º do art. 42 do ECA, que autoriza a medida quando há manifestação de vontade inequívoca do falecido.
Sobre a ausência de inscrição no Cadastro Nacional de Adoção, o ministro ressaltou que o princípio do melhor interesse da criança pode justificar exceções.
“A adoção por meio do Cadastro Nacional de Adoção e a observância de sua ordem deve ser excepcionada em raríssimas hipóteses, apenas quando demonstrado atendimento ao melhor interesse da criança”, afirmou, destacando que esse requisito foi plenamente observado no caso concreto.
Melhor interesse da criança
Nesta terça-feira, 13, ministra Daniela Teixeira votou com o relator e reforçou a aplicação do princípio constitucional do melhor interesse da criança:
“Trata-se de uma criança. Aqui eu reconheci a aplicação do princípio constitucional do melhor interesse da criança, prioridade absoluta. Ainda que os motivos que tenham levado à adoção não estejam de fato claros nos autos, e que tenha havido evidentemente burla ao Cadastro Nacional de Adoção, a jurisprudência desta Corte tem firme posicionamento no sentido de que a ilegalidade deve ser combatida, mas, em situações excepcionais, sua rigidez pode ser relativizada para evitar prejuízo à criança – parte vulnerável, sem culpa por qualquer eventual má conduta de seus pais adotantes.”
A ministra destacou, ainda, que a convivência desde tenra idade no lar dos adotantes gerou vínculos afetivos profundos, impossíveis de serem desfeitos tantos anos depois.
FONTE: Migalhas | FOTO: STJ