
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu sua própria competência para a supervisão de dois inquéritos sobre supostos pagamentos de propina que teriam objetivo de favorecer o grupo Odebrecht na contratação de obras relacionadas à Usina Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira. Os casos envolvem diversos políticos e ex-parlamentares, como o ex-deputado federal Eduardo Cunha. A análise virtual do Plenário terminou nesta terça-feira (6/5).
Além de Cunha, são investigados, por exemplo, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR). Os inquéritos partiram de acordos de colaboração premiada feitos pelo Ministério Público Federal com dirigentes e ex-dirigentes da construtora.
O julgamento dizia respeito a um pedido de Cunha para enviar os autos à Justiça Eleitoral ou a uma vara específica da primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal. O ex-presidente da Câmara é investigado em um desses inquéritos por supostamente usar sua influência na antiga empresa estatal de energia Eletrobras Furnas para favorecer a Odebrecht nos projetos hidrelétricos em Rondônia.
Nenhum ministro acatou a solicitação de Cunha, mas seis deles resolveram, de ofício, alinhar os casos à recente mudança de entendimento do STF quanto ao foro especial por prerrogativa de função (conhecido como foro privilegiado). No último mês de março, a corte decidiu que a prerrogativa de foro deve ser mantida mesmo após a saída do cargo, em casos de crimes cometidos na função e em razão dela.
Contexto
No inquérito em que Cunha é investigado, a última decisão havia determinado o envio do caso à Justiça Federal do DF, para que fosse distribuído por prevenção ao outro inquérito, devido à conexão entre ambos.
Cunha alegou que a competência para processar e julgar o caso seria da Justiça Eleitoral de São Paulo. Isso porque, conforme declarações prestadas por delatores, as quantias pagas pela Odebrecht teriam sido destinadas ao custeio de campanhas.
O ex-deputado citou precedente do STF no sentido de que crimes conexos aos eleitorais também devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.
Caso a tese da competência da Justiça Eleitoral não fosse aceita, Cunha pediu que o caso fosse remetido à 12ª Vara Federal do DF por prevenção, já que lá tramita outro inquérito sobre suposta organização criminosa formada por membros do MDB.
Voto vencedor
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Luís Roberto Barroso.
Gilmar citou a mudança de posicionamento do STF quanto ao foro privilegiado e lembrou que a nova interpretação tem aplicação imediata aos processos em curso, embora todos os atos praticados pelos tribunais com base na jurisprudência anterior sejam mantidos.
Os inquéritos sobre corrupção e lavagem de dinheiro na contratação da Odebrecht para o chamado Projeto Madeira referem-se ao período em que Cunha ainda era deputado.
“É forçoso reconhecer a afronta ao foro por prerrogativa de função, que consiste em questão antecedente e prejudicial ao debate suscitado no agravo regimental em tela a respeito da competência das Justiças comum e Eleitoral”, assinalou.
Corrente vencida
Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia, André Mendonça e Luiz Fux votaram por negar os pedidos de Cunha, mas não concordaram com a manutenção do caso no STF.
Fachin apontou a falta de evidências de crime eleitoral, já que o inquérito em que Cunha é investigado diz respeito à suposta prática de corrupção e lavagem de dinheiro. A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República constataram somente esses crimes durante as apurações, sem qualquer menção a delitos eleitorais.
Ele ainda explicou que as declarações de delatores têm “reduzido valor probatório” quando analisadas de forma isolada. O pedido de envio do caso à Justiça Eleitoral se baseava justamente nelas.
Quanto ao segundo pedido, o magistrado ressaltou que o envio à Justiça Federal do DF deve seguir a “livre distribuição”. Na sua visão, não há prevenção com o outro caso sobre organização criminosa, pois esse delito tem autonomia e “não se confunde com os demais praticados no seu âmbito”.
Além disso, a 1ª Turma do STF já decidiu, em 2018, que a 12ª Vara Federal do DF não tem “competência universal” para receber todo e qualquer caso envolvendo a suposta organização criminosa de membros do antigo PMDB.
O ministro Cristiano Zanin se declarou impedido de participar do julgamento.
Como a análise virtual do caso de Cunha começou em 2023 e Gilmar votou em 2024, os votos ainda não levam em consideração o desfecho do julgamento sobre foro privilegiado, concluído em março deste ano. Até o momento, eles não foram atualizados.
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FONTE: Conjur | FOTO: Reprodução