A Justiça do Trabalho gaúcha condenou a empresa terceirizada Fênix Serviços Administrativos ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais a 210 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão durante a safra da uva em 2023.

Os trabalhadores atuavam em propriedades ligadas às vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi e ficaram conhecidos nacionalmente como os “escravizados do vinho”.

A decisão é do juiz do Trabalho Silvionei do Carmo, da 2ª vara de Bento Gonçalves/RS, que reconheceu a submissão dos trabalhadores a condições degradantes, violência e servidão por dívida, caracterizando trabalho análogo à escravidão.

Péssimas condições

Na ação civil coletiva, o Ministério Público do Trabalho relatou que os trabalhadores foram arregimentados na Bahia sob falsas promessas e transportados ao Rio Grande do Sul, onde viviam em situação de extrema precariedade.

A fiscalização encontrou cerca de 250 pessoas alojadas em um imóvel com capacidade para apenas 67. Embora nem todos tenham sido formalmente incluídos na ação, 210 trabalhadores foram identificados como vítimas e incluídos no pedido de indenização, conforme registrado pelo MPT.

O local apresentava péssimas condições sanitárias e sinais de violência: foram apreendidos spray de pimenta, arma de choque e cassetetes. Os trabalhadores não recebiam salários, tinham seus documentos retidos e eram obrigados a comprar alimentos superfaturados em mercados vinculados ao empregador, contraindo dívidas que os prendiam ao trabalho.

Também houve registros de jornadas superiores a 16 horas, ausência de registro formal e vigilância armada no alojamento.

A Fênix negou a prática de qualquer irregularidade. Alegou que o alojamento possuía estrutura adequada, com camas, ventilação e alimentação fornecida por empresa especializada. Sustentou que os descontos nos salários eram apenas adiantamentos autorizados e que os trabalhadores tinham liberdade de locomoção.

Quanto às imagens divulgadas, afirmou que o local havia sido danificado pelos próprios trabalhadores antes da chegada das autoridades.

Condições análogas à escravidão

Para o juiz, os elementos dos autos comprovaram a configuração de trabalho análogo à escravidão, com base no art. 149 do Código Penal. Ele apontou que a situação se caracterizava por diversas frentes: condições degradantes de alojamento, alimentação imprópria, vigilância armada, agressões físicas e psicológicas, jornadas exaustivas e restrição econômica que impedia os trabalhadores de deixar o emprego.

O magistrado também identificou indícios de servidão por dívida e tráfico de pessoas com fins de exploração laboral, já que os trabalhadores foram recrutados sob promessas falsas e não tinham como arcar com sua volta para casa. A atuação de um policial militar no controle dos alojamentos foi mencionada como fator que reforçava o clima de intimidação.

Ao concluir, afirmou que a empresa era a principal responsável pela contratação, transporte e alojamento dos trabalhadores, e que tentou ocultar sua atuação por meio de estrutura empresarial pulverizada.

“Resta claro pelos elementos trazidos aos autos que houve a exploração de trabalho em condições análogas à escravidão”, registrou.

A indenização foi fixada em R$ 3.009.000, valor que será dividido proporcionalmente entre os 210 trabalhadores conforme o tempo de exposição de cada um. A medida cautelar que bloqueou bens da empresa foi tornada definitiva.

TAC paradigmático

Além da terceirizada Fênix, as três vinícolas que se beneficiaram da mão de obra dos resgatados – Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi – firmaram, em março de 2023, um TAC – Termo de Ajuste de Conduta com o MPT/RS, no qual assumiram 21 obrigações de cumprimento imediato.

Entre os compromissos, destacam-se a contratação de empresas especializadas na prestação de serviços e a corresponsabilidade pela fiscalização de toda a cadeia produtiva. O TAC também estabeleceu o pagamento de R$ 7 milhões pelas vinícolas, sendo R$ 2 milhões destinados diretamente aos trabalhadores resgatados.

Processo: 0020243-42.2023.5.04.0512

FONTE: Migalhas | FOTO: Rafael de Matos Carvalho