
A área não é projetada para ocupação humana constante, tem meios limitados de entrada e saída, atmosfera perigosa e a sensação é de confinamento. Quem gostaria de estar num lugar assim? Parece assustador, mas é a descrição do ambiente de trabalho dos operadores de silos (depósitos) em armazéns de grãos no Brasil.
A atividade é considerada de alto risco e tem despertado a atenção dos órgãos fiscalizadores de segurança no trabalho pelo aumento de mortes no setor: estima-se que, em 2023, foram mais de 100.
Não, o verbo “estimar” não está errado. As estatísticas de acidentes em silos de grãos ainda são bastante precárias. Os dados são imprecisos, pois não há um cadastro específico para esse tipo de sinistro no Ministério da Previdência Social. Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) do ministério, o termo é geral, ou seja, “armazenamento”. O mesmo acontece ao se pesquisar por setor econômico na página do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), em que a ocupação “operador de silo” nem aparece.
Sugado pela força da gravidade dos grãos
Segundo a ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os acidentes com trabalhadores nessas condições estão aumentando. “Toda jurisprudência que envolve silos demonstra que o ambiente é profundamente perigoso, e o número de mortes tem crescido exponencialmente”, afirma.
O alerta de Arruda foi feito no julgamento na Sexta Turma do TST do recurso do espólio de um empregado da Granosul Agroindustrial Ltda., em Cambé (PR), morto nesse tipo de acidente. Ele foi raspar o resíduo de soja, e uma das bicas do silo foi aberta para escoar mais produto. Foi quando o trabalhador foi sugado para baixo pela força da gravidade dos grãos e totalmente engolfado por eles.
Culpa exclusiva das vítimas X negligência no dever de supervisão
Alegando que o empregado foi o único culpado pelo acidente, a empresa disse que ele estava sem cinto trava-quedas e agiu com descuido e excesso de confiança. “Ele desobedeceu às normas de segurança, ignorando todas as orientações e treinamentos recebidos”, sustentou a Granosul.
A Sexta Turma, porém, reconheceu a culpa concorrente da empresa. De acordo com a ministra, o empregador não tem obrigação somente de orientar e fornecer equipamentos de segurança, mas de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. “O empregado não estar utilizando o EPI que salvaria sua vida dentro do silo não afasta a culpa patronal, mas, ao contrário, ressalta o descumprimento do seu dever legal e regulamentar de supervisão”, ressaltou.
Para o perito do Ministério Público do Trabalho (MPT) Luiz Carlos Luz, ainda vigora a visão reducionista e tendenciosa de que esses acidentes de trabalho têm uma ou poucas causas, decorrentes em sua maioria de falhas dos operadores.
Ajuda mortal
Em abril do ano passado, na cidade de Monte Castelo, norte de Santa Catarina, dois jovens, de 21 e 23 anos, morreram soterrados durante o trabalho na empresa Big Safra. Segundo informações, um deles caiu dentro do silo de soja ao tentar raspar os grãos que ficaram presos na parede. O colega tentou socorrê-lo, mas foi sugado pela soja e também morreu.
Notícias da internet
Auditor fiscal do trabalho e coordenador do projeto de Fiscalização em Silos e Armazéns da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul (SRTE/RS), Rudy Allan Silva da Silva elaborou uma metodologia específica para o levantamento nacional de óbitos ocorridos no setor. Segundo ele, não há uma estatística desse recorte e não há um código para armazéns agrícolas no Ministério da Previdência. Dessa forma, ele levou em consideração notícias publicadas na internet e dados de fiscalizações.
Conforme apurado pelo fiscal, em 2020 foram registrados 69 acidentes fatais em unidades de armazenamento de grãos e cereais, 89 em 2021 e 87 em 2022. Em quase 40% deles, os trabalhadores morreram asfixiados pelo engolfamento e pelo soterramento em grãos.
Engolfado ou soterrado
No engolfamento, o trabalhador está sobre os grãos e de repente é engolfado por eles, normalmente porque há um vácuo no armazenamento. O que parece firme torna-se uma areia movediça, e a pessoa morre por asfixia. Já o soterramento, causa da morte dos jovens de Monte Castelo, ocorre quando uma placa de grãos está presa numa parte do silo, formando uma espécie de “parede de grãos”, se desprende e cai por cima dos trabalhadores, deixando-os soterrados.
Apenas com o short e muito açúcar
Outro caso, ocorrido em Aguaí, interior de São Paulo, um rapaz de 18 anos morreu ao subir no silo para raspar parte do produto aderido na parte de escoamento, escorregou e foi soterrado por uma montanha de açúcar, morrendo por asfixia. O caso foi apurado pela Justiça do Trabalho, que condenou a empresa a indenizar os pais do jovem em R$ 500 mil, por não ter fornecido equipamentos de proteção. Segundo o pai do trabalhador, o filho foi encontrado vestindo apenas um short e coberto de açúcar.
Agronegócio e aumento de mortes
A professora e pesquisadora Ana Paula Martinazzo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), observa que a expansão do agronegócio tem de ser levada em conta em relação ao aumento de casos de mortes em silos de armazenamento. Ela lembra que o Brasil é um grande produtor mundial de grãos, com destaque para a soja. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de grãos na safra 2023/2024 foi estimada em quase 300 milhões de toneladas.
Para a pesquisadora, é preciso pensar nesse acentuado crescimento e no ambiente de trabalho desses trabalhadores. “Por que as mortes têm aumentado? Pelo aumento de produção ou pela falta de fiscalização?”, questiona. Para Martinazzo, a segurança é formada por um tripé que compreende treinamentos constantes, cumprimento das normas de segurança e investimento em tecnologias que possam auxiliar na diminuição da quantidade de acidentes.
Fiscalização do Trabalho
Mato Grosso do Sul, que, juntamente com Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná, lidera os números de acidentes em silos, registrou, de 2020 até agosto de 2024, 16 casos fatais, conforme levantamento feito pela fiscalização do trabalho. Em quase 40% deles, os trabalhadores sofreram asfixia pelo engolfamento e soterramento em grãos.
Profissionais de saúde e segurança do trabalho dizem que há muito a fazer diante da realidade do setor. Além da dificuldade de contar com estatísticas mais precisas, o que tornaria possível filtrar esse tipo de acidente, mensurá-lo e assim tomar medidas eficazes de maior proteção, o número de fiscais é insuficiente diante da expansão do agronegócio no Brasil.
FONTE: TST | FOTO: Reprodução/Internet