
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta quarta-feira (19/3) que seu presidente, que só vota em caso de empate, pode desempatar um julgamento de processo penal. A definição foi feita por maioria de votos.
Entendeu o colegiado que essa situação não ofende a Lei 14.836/2024, segundo a qual, em caso de empate, deve prevalecer a posição mais favorável à defesa. Essa previsão foi inserida no artigo 615, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal.
Na prática, essa lei não pode ser aplicada em casos criminais julgados pela Corte Especial do STJ, contra autoridades com prerrogativa de foro. Isso porque jamais haverá empate.
Se o quórum de até 14 ministros empatar a votação, o presidente poderá desempatar. Por outro lado, se a votação terminar com um voto de diferença, o presidente não será chamado para votar.
É possível que esse entendimento seja estendido ao outro colegiado do STJ que funciona nesses mesmos moldes: a 3ª Seção. Nela, os empates são improváveis porque, sendo composta por dez membros, ela tem nove votos ordinariamente disponíveis.
Ainda assim, é possível que a eventual ausência ou impedimento de algum ministro abra a possibilidade de empate na votação, situação em que o presidente da seção pode ser chamado para desempatar.
Nas turmas criminais (5ª e 6ª Turmas), por outro lado, a lei é plenamente aplicável porque o presidente sempre vota. São cinco membros, e se apenas quatro votarem e houver empate, valerá — como já tem ocorrido — a posição mais favorável à defesa.
Voto de desempate
O tema foi levantado em questão de ordem pelo ministro Herman Benjamin, presidente do STJ e da Corte Especial, diante do empate por 6 a 6 quanto ao recebimento da denúncia contra desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Eduardo Grion e Paulo César Dias são acusados de falsidade ideológica por meio de nepotismo cruzado praticado em seus gabinetes. Esse voto de desempate não foi proferido ainda pelo ministro Benjamin.
A Corte Especial ainda rejeitou embargos de declaração em caso anteriormente julgado, em que houve o recebimento da denúncia com base no voto da presidência, que à época era da ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Isso ocorreu no Inquérito 1.665, outro caso de falsidade ideológica contra desembargadores do TJ-MG — José Geraldo Saldanha da Fonseca, Geraldo Domingos Coelho e Octávio de Almeida Neves viraram réus por causa do voto de desempate.
Regimento interno x lei
O ministro Herman Benjamin destacou que o Regimento Interno do STJ, que prevê o voto de desempate do presidente da Corte Especial, é considerado lei em sentido material, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
E ele apontou que tanto o Regimento Interno quanto a tradição da corte permitem o desempate sem que isso represente afronta ao devido processo legal, à presunção de inocência e ao princípio in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu).
A Lei 14.830/2024, segundo o magistrado, tem o objetivo de evitar a procrastinação dos julgamentos criminais ao proibir a nomeação de outros membros nos colegiados onde houver empate, ou a convocação de outros julgadores.
“É necessário discernir quando a votação está empatada na hipótese de todos já terem votado, como é a situação prevista na lei, do direito de voto dos membros que já integram o colegiado e compõem o quórum”, destacou o presidente.
Tese
A posição vencedora rendeu duas teses não vinculantes propostas pelo relator:
— O presidente do STJ é integrante do colegiado da Corte Especial e tem o direito de proferir voto de desempate em julgamentos criminais, conforme o Regimento Interno;
— A Lei 14.837/2024 não impede exercício do voto de desempate pelo presidente do STJ.
Votaram com o relator e formaram a maioria os ministros Humberto Martins, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Isabe Gallotti, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira.
No empate, a favor do réu
Abriu a divergência o ministro João Otávio de Noronha, que ficou vencido ao lado dos ministros Raul Araújo, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior. Para eles, o presidente não deveria votar em casos penais.
Segundo Noronha, o Regimento Interno não pode se sobrepor à previsão da lei ordinária. Principalmente porque o presidente do STJ tem competência extraordinária de voto. “Diante do texto da lei, não cabe convocar um quórum excepcional para julgamento.”
Raul Araújo seguiu linha parecida ao destacar que o empate anunciado pela lei como resultado suficiente para gerar sua aplicação é aquele da votação ordinária, não cabendo a manifestação do presidente da Corte Especial.
E Sebastião Reis Júnior acrescentou que a redação original do Código de Processo Penal previa a convocação do presidente, se já não tivesse se manifestado, para fazer o desempate em casos penais. Essa hipótese foi eliminada pela nova lei.
“Estamos decidindo uma posição que vai repercutir nos demais tribunais e nós nem sabemos como. Vamos dar uma decisão, me parece, exclusiva para o STJ. Estamos excepcionalizando algo que a lei não excepcionalizou”, disse ele.
Inq. 1.665 e Inq. 1.654
FONTE: Conjur | FOTO: Lucas Pricken