
O desembargador Cherubin Helcias Schwartz Junior, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, anulou decisão da 49ª Vara Cível da capital fluminense que se recusou a aplicar o disposto na Lei do Superendividamento (Lei 14.181/21).
Na decisão questionada, a juíza de primeiro grau decidiu dispensar a audiência conciliatória, prevista na Lei 14.181, com a justificativa de que a prática era inócua e não costuma resultar em acordos entre devedores e credores.
A julgadora afirmou que a ausência da parte na audiência de conciliação pode, no máximo, justificar a aplicação das penas de litigância de má-fé, mas não interfere no crédito que o credor possui. E lembrou também que o artigo 313 do Código Civil estabelece que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.
“Assim, não há sentido em obrigar a parte a comparecer à audiência apenas para dizer que não tem interesse em acordar ou para que seja a ela imposto plano de pagamento da dívida, com o qual não concorda. Cabe destacar que nos casos de revelia há apenas presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial, nos termos do artigo 343 do CPC, sem interferência, por óbvio, no direito material discutido no processo. Há também penalidade processual para a parte que deixa de comparecer à audiência do artigo 334 do CPC. A aplicação de penalidade que interfere no direito material é verdadeira afronta ao devido processo legal, o que não pode ocorrer”, registrou.
Ao analisar o agravo, o desembargador acolheu os argumentos do autor do recurso e explicou que a negativa em observar procedimento previsto em lei caracteriza violação ao devido processo legal.
“Diante de tais fundamentos, defiro o efeito suspensivo tão somente para suspender os efeitos da decisão até o julgamento do agravo. Oficie-se ao magistrado de primeiro grau comunicando a decisão. Venham as informações do juízo agravado, notadamente diante das alegações recursais.”
O professor Leonardo Garcia, procurador do estado do Espírito Santo e membro do grupo de trabalho de acompanhamento da Lei do Superendividamento no CNJ, criticou o entendimento do juízo de piso. “A decisão da 49ª Vara Cível do Rio de Janeiro é um grave desrespeito ao ordenamento jurídico, pois a magistrada simplesmente se recusou a aplicar a Lei do Superendividamento por discordar dela, como se fosse legisladora. Isso compromete a segurança jurídica e prejudica consumidores vulneráveis. Felizmente, o TJ-RJ corrigiu essa distorção, reafirmando que o juiz deve aplicar a lei, não reinterpretá-la ao seu gosto. Casos como esse mostram a urgente necessidade de os tribunais capacitarem seus magistrados para garantir a correta aplicação dessa legislação essencial.”
Processo: 0011795-27.2025.8.19.0000
FONTE: Conjur | FOTO: Pixelshot