
Não é legítimo o compartilhamento de relatórios de informação financeira (RIF) pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com a autoridade policial antes da instauração do inquérito.
A conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que nesta terça-feira (24/9) acolheu embargos de declaração com efeitos infringentes para alterar o acórdão que havia validado o acesso de delegado da Polícia Federal a esses dados.
O caso trata de um pedido de informações encaminhado ao Coaf pela PF para alimentar um procedimento preliminar ao inquérito (VPI) — uma investigação prévia para saber se vale a pena ou não apurar um suposto crime.
Esse recurso foi julgado em 21 de maio, quando a 5ª Turma concluiu que o compartilhamento dos RIFs do Coaf não depende de inquérito instaurado, bastando que exista um procedimento formal, como o VPI.
Menos de um mês depois, em 18 de junho, o colegiado julgou um caso análogo e mudou de posição. Ele tratava de um pedido ao Coaf feito pelo Ministério Público após o recebimento de uma notícia de fato, mas antes da abertura do inquérito.
Tanto a notícia de fato como o VPI são de institutos anteriores à investigação. A conclusão no segundo caso, por 3 votos a 2, foi de que o acesso aos relatórios depende da formalização da investigação pela abertura do inquérito.
A mudança permitiu à defesa do primeiro caso julgado ajuizar embargos de declaração para apontar a contradição existente na jurisprudência.
Por 2 votos a 1, a 5ª Turma acolheu os embargos com efeitos infringentes para mudar o resultado do julgamento, declarando a nulidade do acesso da PF aos relatórios do Coaf e de todas as provas decorrentes.
Cizânia jurisprudencial
A definição feita pela 5ª Turma demonstra a complicada situação jurisprudencial desse tema. Formaram a maioria para mudar o resultado do julgamento a ministra Daniela Teixeira e o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Ficou vencido o relator, ministro Ribeiro Dantas, que votou por rejeitar os embargos. Ele destacou que o acórdão posterior sobre o tema, que reconheceu a ilicitude do acesso aos relatórios do Coaf antes do inquérito, foi cassado pelo Supremo Tribunal Federal.
Naquele caso, o Ministério Público do Paraná ajuizou reclamação constitucional, que foi julgada procedente em decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes. A defesa interpôs agravo regimental, ainda pendente de julgamento.
Integrante da 1ª Turma do STF, Moraes tem posição mais alinhada com a possibilidade de amplo uso das informações do Coaf pelos órgãos de investigação.
Não há dúvidas de que MP, Polícia Civil e Polícia Federal podem obter esses relatórios financeiros, conforme definiu o STF em 2019.
Aquele caso, no entanto, apreciou o tema sob a perspectiva de o próprio Coaf ou a Receita Federal identificarem possíveis crimes e avisarem, de ofício, os órgãos de persecução penal.
Situação diferente é quando são MPs ou Polícias Civil e Federal que acessam o Coaf, requisitando informações.
Ao interpretar as teses do STF, o STJ inicialmente entendeu que, quando a informação é obtida pelo caminho inverso (por iniciativa do órgão de investigação), é necessário passar pelo crivo do juiz antes.
Quando esses casos chegaram ao STF, uma cisão foi criada. A 1ª Turma passou a validar a requisição de RIFs ao Coaf. Já a 2ª Turma diz que não é possível pedir esses dados sigilosos sem antes obter uma autorização judicial.
O tema contrapõe a eficiência da investigação em um mundo de criminalidade digitalizada e pulverizada e direitos fundamentais — o risco é de que Coaf e Receita se tornem repositórios de informações e permitam a prática de pesca probatória (fishing expedition).
FONTE: Conjur | FOTO: Andranik Hakobyan