Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente um procedimento administrativo disciplinar e absolveu o desembargador Carlos Henrique Abrão, presidente da 14ª Câmara de Direito Privado, acusado de alterar duas súmulas de julgamento após o encerramento de uma sessão.

Leia também: Bloqueio de valores pelo Bacenjud realizado antes do parcelamento de dívida deve ser mantido

O PAD foi instaurado em setembro de 2021 e somou mais de três mil páginas. Segundo o relator, desembargador Matheus Fontes, Abrão não poderia ter modificado o teor das tiras de julgamento depois de proclamado o resultado, sendo “muito clara a infringência ao que a lei e o regimento interno do TJ-SP dispõem sobre a conduta de um magistrado”.

No entanto, Fontes disse que, apesar da gravidade dos fatos, não houve prejuízo algum às partes, nem à imagem do Judiciário, não havendo má-fé por parte do desembargador: “Foi uma conduta isolada, em uma única sessão, que não justifica uma sanção mais grave. É um ato reprovável, que seria passível de censura, mas tal pena não pode ser aplicada a desembargadores. Por isso, julgo o PAD improcedente.”

Em sua sustentação oral, o advogado José Cretella Neto destacou a longa carreira de Abrão, que tem 36 anos de magistratura, é autor de 40 obras individuais e 25 coletivas, além de ter estudado em Portugal e na Alemanha. “Não posso aceitar um processo que atente contra a honra de um desembargador que orgulha esse tribunal, que já julgou mais de seis mil recursos, tem alta produtividade e acervo baixo”, afirmou.

Sobre as acusações
A primeira denúncia contra Abrão envolvia o julgamento de um agravo interno interposto contra decisão monocrática do desembargador, que teria acolhido um recurso sem oportunidade para a parte contrária apresentar contraminuta. Abrão defendeu a validade de sua decisão monocrática, mas os demais integrantes da turma julgadora divergiram, na sessão de 2 de dezembro de 2020.

Segundo os autos, o desembargador concordou com a divergência e a tira do julgamento saiu com a seguinte súmula: “Convertido o julgamento do agravo em diligência para concessão de prazo aos agravados para contraminuta”. Porém, terminada a sessão, Abrão consultou o processo de primeiro grau e constatou que, por força da decisão monocrática anterior, a sentença já havia sido proferida.

O desembargador, então, elaborou um voto em que dava por prejudicado o recurso de agravo interno, modificando o que havia sido discutido na sessão de julgamento. O relator designado, desembargador Régis Bonvicino, não concordou com a modificação da tira, nem com a justificativa de Abrão com base no princípio da celeridade processual.

Bonvicino formalizou uma reclamação à presidência da Seção de Direito Privado, que levou o caso ao Órgão Especial. Em e-mail enviado à ConJur, Abrão disse que, após constatar que a sentença havia sido proferida pelo juízo de primeiro grau, adotou entendimento do Supremo Tribunal Federal e deu o recurso por prejudicado.

Ele disse que consultou os outros dois integrantes da turma julgadora, sendo que um deles concordou com a solução e o outro, Bonvicino, foi contra e, por isso, ficou como relator do acórdão. A outra reclamação foi feita pela desembargadora Ligia Bisogni. Convocada para a mesma sessão virtual de 2 de dezembro de 2020 da 14ª Câmara de Direito Privado, ela informou que se atrasaria 30 minutos.

Na ocasião, a magistrada participaria do julgamento de três embargos: dois de sua relatoria e um como segunda juíza. Abrão decidiu julgar os embargos em que Bisogni atuava como segunda juíza no início da sessão, com a substituição dela por outro magistrado.

Apesar de o caso ter sido julgado, a súmula constou como “retirado de pauta, para ser julgado na sessão seguinte, porque a 2ª desembargadora entrou na sessão 30 minutos depois do início”. Abrão disse à ConJur que, neste caso, Bisogni teria comunicado somente na véspera da sessão que atrasaria em 30 minutos.

Os embargos de declaração foram julgados em bloco, como autoriza o regimento interno da corte. Abrão negou Bisogni tenha reclamado dos fatos durante a sessão e disse que não conversa com a magistrada desde março de 2020, quando ela deixou a 14ª Câmara de Direito Privado. Além disso, afirmou que a representação de Bisogni teria sido direcionada à diretora do cartório, e não contra ele.

Segundo o advogado de Abrão, Edson Edmir Velho, não houve qualquer infração disciplinar por parte do magistrado. A Procuradoria-Geral de Justiça também emitiu parecer pela improcedência do PAD e arquivamento dos autos, o que acabou sendo acolhido pelos 25 integrantes do Órgão Especial.

Alegação de perseguição política
Após a instauração do PAD, Abrão afirmou que “jamais houve alteração do decisório”, mas sim equívoco na interpretação dos fatos. Ele também disse que estava sendo alvo de “perseguição política” para desmoralizá-lo e evitar que se candidate novamente a cargos de direção da corte. Abrão já concorreu à presidência do tribunal em 2019 e 2021.

“Temos absoluta certeza de que nosso recurso será acolhido para obstaculizar essa denunciação caluniosa torpe cujos autores serão futuramente processados nas esferas civil e criminal. Assassinato de reputação de pessoas sem estofo moral e conhecimento de processo civil”, disse o desembargador em setembro de 2021.

FONTE: Conjur | FOTO: Folhapress