
Uma audiência trabalhista foi adiada após o juiz do Trabalho David Rocha Koch Torres, da vara do Trabalho de Ubá/MG, declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo. A decisão foi tomada após o advogado afirmar que estava gravando o ato processual, sem autorização.
O incidente ocorreu durante a audiência de ação movida por ex-funcionário de empresa de eletrônicos. O advogado do reclamante iniciou a gravação do ato judicial alegando que o juiz estaria influenciando o depoente em suas respostas.
A atitude do advogado gerou um clima de desconforto e foi interpretada como uma ofensa à imparcialidade do magistrado.
Diante da situação, o juiz optou por se afastar do caso, com base no art. 145, §1º, do CPC, aplicado de forma subsidiária à CLT.
Com a declaração de suspeição, o processo foi encaminhado de ofício ao TRT da 3ª região, que ficará responsável pela designação de um novo juiz para dar continuidade ao julgamento.
Processo: 0010173-63.2025.5.03.0078
Afinal, advogado pode gravar audiência?
Em 2024, o Migalhas explicou que tanto o CPC quanto o CPP permitem a gravação de audiências:
CPC (art. 367, §§ 5º e 6º): a audiência pode ser gravada em áudio e vídeo por qualquer das partes, sem necessidade de autorização judicial, desde que seja assegurado o acesso rápido às gravações.
CPP (art. 405, §§ 1º e 2º): o registro de depoimentos deve, sempre que possível, ser feito por meios audiovisuais, garantindo mais fidelidade às informações. A cópia do material deve ser entregue às partes, dispensando transcrição.
O STJ consolidou o entendimento de que a gravação audiovisual de audiências é obrigatória, conforme a lei 11.719/08.
Em 2018, no HC 428.511, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que a expressão “sempre que possível” só se aplica quando os meios técnicos estiverem realmente indisponíveis. No caso julgado, a audiência foi anulada justamente por não ter sido gravada.
Moro x Zanin
Há sete anos, o então juiz Sergio Moro proibiu que o então advogado Cristiano Zanin gravasse audiência. Moro afirmou que houve “grave irregularidade” na oitiva de Fernando Henrique Cardoso, porque teria sido gravada por Zanin, e disse que as gravações necessitavam de autorização judicial.
“Nenhuma parte tem direito de gravar áudio ou vídeo da audiência sem autorização expressa deste juízo. Ficam advertidas as partes, com base no artigo 251 do Código de Processo Penal que não promovam gravações de vídeo de audiência sem autorização do juízo”, afirmou Moro.
Em resposta, Cristiano Zanin oficiou a OAB/PR dizendo que a decisão do juiz de proibir as gravações colidia com o que previsto no CPC.
Sustentou, também, que o dispositivo legal citado por Moro para a proibição (art. 251 do CPC) “não contém qualquer disposição sobre o tema”.
Audiência interrompida
Em 2024, uma audiência foi interrompida por aproximadamente 40 minutos após um impasse envolvendo a gravação da sessão por parte da defesa. O advogado criminalista Sergio Figueiredo foi impedido de registrar o ato processual, o que levou à suspensão temporária dos trabalhos.
A suspensão ocorreu após a procuradora informar ao juiz que o advogado realizava a gravação sem autorização prévia. Diante da objeção, Figueiredo apresentou ao magistrado dispositivos do CPC e decisões do STJ que respaldam o direito à gravação das audiências pelas partes.
Após a análise dos fundamentos jurídicos apresentados, o juiz autorizou a retomada da audiência, desta vez com a gravação permitida.
Posteriormente, o advogado divulgou o vídeo em suas redes sociais.
Celular apreendido
No mesmo ano, durante audiência na 2ª vara Criminal de Jacarepaguá/RJ, o juiz de Direito Aylton Cardoso ordenou a apreensão da gravação feita pelo advogado Cleydson Lopes, após a promotora de Justiça Ermínia Manso notar que a sessão estava sendo registrada por um celular, sem aviso prévio às partes.
Questionado pela promotora, o advogado afirmou estar amparado pelo art. 367 do CPC, que permitiria a gravação das audiências. A promotora, por sua vez, argumentou que o registro violaria a LGPD, especialmente por incluir a voz da testemunha sem consentimento.
Diante da controvérsia, o juiz decidiu suspender o depoimento e determinou o confisco da gravação.
Mais tarde, o advogado recuperou o vídeo da lixeira do celular e acionou a OAB.
Júri interrompido
Em fevereiro de 2025, o advogado José Lucas Mussi foi impedido de gravar uma sessão de julgamento pela juíza da vara Criminal do Júri da Capital de Santa Catarina.
Além de ordenar a interrupção da gravação, a magistrada determinou que o advogado excluísse os registros feitos até aquele momento.
Em resposta, Mussi argumentou que o art. 367, § 6º do CPC – aplicável subsidiariamente ao processo penal – permite a gravação das audiências. Segundo ele, decisões do STF e do STJ respaldam o direito da defesa de registrar os atos processuais, sobretudo como forma de garantir a ampla defesa e documentar possíveis irregularidades.
O advogado citou inclusive o caso da Boate Kiss, para reforçar a importância da gravação como instrumento de trabalho e produção de prova. Afirmou ainda que, mesmo não sendo exigido por lei, comunicou previamente o Ministério Público e a juíza sobre a intenção de gravar.
Apesar da discordância, Mussi atendeu à determinação judicial e excluiu os vídeos para viabilizar a continuidade da audiência.