
Esse título foi usado pelo grande processualista Mauro Cappelletti em um dos seus livros1 para discutir a responsabilidade pessoal dos juízes por suas decisões. Acredito que o questionamento pode ser usado no momento que estamos vivendo no Brasil, com o julgamento pelo STF da legalização do porte da maconha.
Antes de mais nada, por uma questão ética, exponho que como minha formação é liberal, tenho uma tendência de defender a liberdade como princípio maior. Com isso, entendo natural a discussão sobre a liberdade de uso das drogas. A maturidade, contudo, trouxe-me um forte viés conservador, o que me faz questionar fortemente sobre as consequências dessa liberdade. O tema na minha visão é complexo e merece ser enfrentado num grande debate social.
Voltando ao questionamento do título. Na minha opinião, há algumas premissas que precisam ser estabelecidas antes de responder a questão. Primeiro, o local para a discussão desse tema JAMAIS pode ser um tribunal, ainda que seja o Supremo Tribunal. Esse órgão não tem legitimidade constitucional para esse tipo de debate, porque não estamos diante de um dilema jurídico. Há, na realidade, uma escolha social. Nesse cenário, o único órgão legitimado pela Constituição é o Poder Legislativo.
A segunda premissa. Não há dúvidas que a legalização de drogas gera um enorme efeito cascata que precisa ser discutido e regulamentado por lei.
Vamos trabalhar com a premissa que o STF acolha a tese, já que estamos com um placar de 4 X 0. Teremos um país com o consumo da droga legalizado, mas sem um sistema de fornecedores legais autorizados a fornecer, já que o tráfico continua sendo crime. Consequência “possível” da legalização, aumento do consumo. Aumentando o consumo, “é possível” que o tráfico aumente. Aumentando o tráfico, “é possível” o aumento da criminalidade. No âmbito da saúde pública, o aumento do consumo, “possibilita” o aumento dos dependentes químicos. O “possível” aumento de dependentes, impacta a demanda no sistema de saúde (que diga-se de passagem já está colapsado)2. Pergunta-se: as “eventuais” consequências negativas foram discutidas? Caso as consequências negativas apareçam, como será responsabilizado o STF?
A legalização do consumo precisa ser discutida no Legislativo. É esse órgão o responsável pela escolha social. Será ele responsabilizado socialmente com votos, caso a escolha seja errada. É ele responsável por criar um pacote de leis que minimizem as consequências dessa escolha.
Um tema como esse não pode ser resolvido numa canetada de um Tribunal. Aqui mais uma vez repito o questionamento do título: juízes irresponsáveis?
Ps. Escrevo esse artigo porque o tema ainda não foi julgado no STF. Há 7 votos em aberto e o legislativo ainda pode intervir para avocar a discussão para o local correto.
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1 Cappelletti, Mauro. Juízes irresponsáveis?. Editora SAFE, Porto Alegre, 1989.
2 Coloquei entre aspas “possibilidade” para não afirmar convicção sobre as consequências de qualquer decisão
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