A urbanização acelerada no Brasil intensifica os desafios relacionados à gestão dos espaços públicos, como praças, parques e áreas verdes. Esses locais desempenham papel crucial para o bem-estar da população, promovendo a convivência social, a recreação e a sustentabilidade ambiental. Contudo, a manutenção e a revitalização desses espaços demandam recursos financeiros significativos, que frequentemente estão fora do alcance de muitos municípios. Nesse contexto, os incentivos fiscais emergem como uma solução viável e estratégica para atrair a participação de pessoas físicas e jurídicas em intervenções urbanísticas voltadas à melhoria do ambiente urbano.
Os incentivos fiscais de natureza tributária, especialmente no âmbito municipal, configuram-se como instrumentos importantes para fomentar essas iniciativas. Por meio de isenções, reduções ou até compensações de tributos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), os municípios criam condições favoráveis para que empresas e cidadãos invistam em projetos urbanísticos de interesse público. Essa estratégia, além de gerar impacto positivo no espaço urbano, reforça a função social da propriedade e estimula a corresponsabilidade entre o setor público e privado.
Um exemplo amplamente utilizado é a concessão de isenções ou descontos no IPTU para proprietários que promovem melhorias urbanísticas em áreas públicas adjacentes aos seus imóveis. Tal medida incentiva a conservação de praças, canteiros centrais, áreas verdes e outros espaços urbanos que frequentemente enfrentam problemas de degradação e abandono. Em São Paulo, por exemplo, o programa de adoção de áreas públicas prevê a possibilidade de abatimento no IPTU para os adotantes que assumem a responsabilidade pela manutenção de praças e canteiros (1). Esse tipo de benefício não só reduz o custo para os cofres públicos, mas também estimula a participação da sociedade na preservação do patrimônio comum.
Outro mecanismo importante é a aplicação de incentivos fiscais no ISS, especialmente em parcerias público-privadas (PPPs). Essa modalidade permite que empresas atuem diretamente em projetos de requalificação urbana, como a instalação de equipamentos de lazer, a construção de parques lineares ou a reforma de espaços culturais. Como contrapartida, as empresas podem usufruir de alíquotas reduzidas no ISS, o que torna o investimento mais atrativo financeiramente. Essa prática, além de estimular a iniciativa privada, resulta em melhorias significativas para a coletividade, como exemplifica o caso do Parque Minhocão, em São Paulo, cuja manutenção foi parcialmente financiada por empresas com incentivos concedidos pelo município (2).
A utilização do ITBI como incentivo fiscal também merece destaque. Em diversos municípios, esse imposto, incidente sobre a transmissão de bens imóveis, é reduzido ou isento em transações que resultem em projetos voltados para a recuperação ambiental urbana. Por exemplo, terrenos adquiridos para reflorestamento ou recuperação de áreas degradadas em zonas urbanas podem ter alíquotas diferenciadas, desde que o projeto esteja alinhado com as diretrizes do plano diretor municipal e devidamente aprovado pelos órgãos competentes (3). Essa medida estimula a preservação ambiental, valoriza o entorno e mitiga os efeitos das mudanças climáticas.
No entanto, a implementação desses incentivos exige planejamento criterioso e uma regulamentação clara, pautada em legislações municipais que definam os critérios para concessão dos benefícios. O plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, deve prever essas possibilidades de incentivo, indicando as modalidades de intervenção permitidas, as obrigações do beneficiário e os mecanismos de monitoramento e avaliação dos projetos. Além disso, os projetos submetidos para análise devem seguir um trâmite específico: os interessados devem apresentar um plano detalhado contendo objetivos, etapas de execução, cronograma, impactos esperados e, quando aplicável, medidas de mitigação ambiental. Esse plano será avaliado pelos órgãos urbanísticos e ambientais competentes, que decidirão sobre sua viabilidade técnica e jurídica, respeitando os princípios de conveniência administrativa e vinculação legal.
A fundamentação jurídica para a adoção desses mecanismos encontra respaldo na Constituição Federal de 1988. O artigo 30, inciso I, atribui aos municípios a competência para organizar e gerir o uso do solo urbano, enquanto o artigo 182 reforça o papel do poder público na promoção do cumprimento da função social da propriedade (4). Assim, as políticas municipais de incentivo fiscal não apenas estão alinhadas aos princípios constitucionais, mas também representam uma forma de fortalecer a autonomia dos municípios na formulação de políticas urbanísticas e ambientais.
A implementação de incentivos fiscais para intervenções urbanísticas apresenta ainda benefícios indiretos significativos. Ao promover a revitalização de espaços públicos, contribui-se para a valorização imobiliária e a atração de investimentos privados, gerando um ciclo virtuoso de desenvolvimento urbano. Além disso, ao engajar a sociedade civil e o setor privado, os municípios reduzem a dependência exclusiva dos recursos públicos, permitindo que esses sejam alocados em outras áreas prioritárias, como saúde e educação.
Por fim, a adoção de incentivos fiscais como ferramenta para intervenções urbanísticas demonstra-se uma estratégia eficaz e sustentável para enfrentar os desafios do urbanismo contemporâneo. Com um planejamento integrado e uma legislação robusta, os municípios podem transformar seus espaços públicos em ambientes mais acolhedores, funcionais e ambientalmente equilibrados, promovendo qualidade de vida para toda a população.
Referências
(1) PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Isenção de IPTU para conservação ambiental urbana. Disponível em: <https://capital.sp.gov.br/web/fazenda/w/servicos/iptu/2462>. Acesso em: 21 dez. 2024.
(2) MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Parcerias público-privadas no desenvolvimento urbano. Disponível em: <https://www.gov.br/mdr/pt-br/noticias/parcerias-publico-privadas-ajudam-em-projetos-para-beneficiar-populacao>. Acesso em: 21 dez. 2024.
(3) SILVA, Leticia Emanueli Cruz; CUNHA, Carlos Renato da. Instrumentos tributários no Estatuto da Cidade em prol da função social e do meio ambiente. In: Revista do instituto de direito constitucional e cidadania – IDCC, Londrina, v. 5, n. 1, p. 10-30, jan./jul. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.48159/revistadoidcc.v5n1.silva.cunha>. Acesso em: 21 dez. 2024.
(4) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 dez. 2024.
OBS: Imagem extraída do site: <https://blog.exati.com.br/cidades-sustentaveis-2/>. Acesso em 21 de dezembro de 2024.